sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ler é ultrapassar barreiras

Com esse texto consegui o 1º lugar no 6º Concurso Leia Comigo de 2007.

Um bairro de classe pobre é o cenário que vejo desde que me entendo por gente. A casa onde moro desde os dois anos é só mais uma entre tantas outras de telhados e paredes encardidas, com poucos cômodos apertados e mobília simples. Os homens e mulheres que aqui residem têm uma rotina comum a muitas famílias do país, com suas preocupações voltadas para o trabalho, já que o salário que recebem é insuficiente para sustentar os filhos. Minha vida parece uma cópia da dos meus pais. Única diversão possível é deitar no sofá da sala, assistir TV e olhar os transeuntes avançando em meio aos poucos carros que trafegam a rua esburacada. Às vezes chego a pensar que meus netos nascerão aqui, e terão a mesma vidinha limitada e ignorante que tenho (o que me deixa revoltado com o que se costuma chamar de “destino”).
Hoje, a visão que tenho da janela da minha sala é diferente. Colocaram um imenso outdoor com a foto de um senhor com um livro nas mãos e uma frase que diz: “Ler é ultrapassar barreiras”. Um olhar distraído, mas reflexivo, me levou de volta à infância.
Meus afazeres diários eram concernentes a uma criança de cinco anos. Brincar e assistir TV eram meus preferidos, para não dizer os únicos. Enquanto assistia aos programas de desenho animado nesta mesma sala, observava que um menino, aparentando a mesma idade que eu, todas as tardes sentava-se à soleira da porta, ora com seu pai, ora com sua mãe, a fim de ouvir leitura de histórias. A sua expressão era de que estava envolvido em uma magia, ou que sua visão transcendia a realidade.
Meus pais trabalhavam para sustentar meus três irmãos e eu. Não tinham tempo disponível para gastar lendo histórias. Bem, os pais do garoto vizinho também trabalhavam.
As vezes que ia à sua casa, viam vários livros e revistas na estante, ou espalhados pelo chão. Essa situação me transmitia um aspecto de desordem, já que em minha sala havia apenas uma enorme Bíblia que permanecia aberta no Salmo 23, servindo de decoração.
Quando chegamos à idade de ir à escola, fomos matriculados coincidentemente na mesma turma de alfabetização. Lembro-me que ele ocupava a primeira carteira perto da professora; eu, logo atrás dele. Na época, não compreendia por que suas notas eram tão melhores que as minhas. Por mais que me esforçasse, não conseguia ler aqueles textos complicados; não sabia como Felipe tinha tantas idéias naquelas redações que precisávamos fazer. As aulas de leitura eram suas preferidas. Sempre era o primeiro a se dispor a ler em voz audível. Ou, sempre tinha algo a falar quando a professora dava oportunidade aos alunos para contarem sobre algum livro que porventura haviam lido.
No final do ano, Felipe foi aprovado. Eu não.
Continuamos colegas. Nas folgas da escola, brincávamos de futebol, de empinar pipa, andávamos de bicicleta. Quando voltávamos para casa, eu me estendia no sofá bem em frente à TV. Felipe sentava com seus dois irmãos menores para ler, tal qual fazia seus pais. Aquilo me intrigava. Mas logo esquecia.
O tempo passou. Felipe terminou o Ensino Médio e começou a trabalhar de office-boy em uma Faculdade há umas duas horas daqui e foi contemplado com uma bolsa nessa mesma Faculdade, em virtude das excelentes notas que conseguira no decorrer de sua vida escolar. Eu reprovei alguns anos e acabei por desistir na sétima série, por conselho de meu pai. Ele dizia que eu não tinha nascido para os estudos.
Os trinta anos que se passaram não trouxeram muitas mudanças. Hoje, moro na mesma casa de telhado e paredes encardidas com minha esposa, meus três filhos e minha mãe. Meu pai faleceu há três anos com cirrose hepática.
Felipe, que se mudou logo após iniciar o curso de Jornalismo, agora volta neste outdoor em Campanha pelo Incentivo à Leitura, já que se tornou um jornalista e escritor renomado de contos e crônicas.
Ler é ultrapassar barreiras... Ler é ultrapassar barreiras...
- O que será que está passando no canal 6?

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